Hotéis capricham na limpeza para atrair viajantes de volta
A pandemia mergulhou a indústria hoteleira em uma crise histórica e a ocupação média de hotéis dos EUA caiu para 22 por cento no fim de março
Recentemente, quando Beau Phillips se hospedou em um hotel perto de Toledo, em Ohio, uma mesa em frente ao balcão da recepção o impediu de chegar muito perto do funcionário, que usava máscara e estava atrás de uma tela de plástico.
“A chave é gentilmente jogada para você a um metro de distância”, disse Phillips, executivo de assuntos públicos que estava hospedado em um Radisson Country Inn & Suites para visitar a família.
O bufê de café da manhã do hotel tinha sumido, a academia estava fechada e os elevadores eram limitados a duas pessoas. E, para reduzir o risco da presença de alguém, nenhuma camareira vinha fazer a cama depois que Phillips deixava seu quarto todos os dias.
A pandemia mergulhou a indústria hoteleira em uma crise histórica. A ocupação média de hotéis dos EUA caiu para 22 por cento no fim de março, e havia subido para míseros 48,1 por cento na semana encerrada em 25 de julho, de acordo com a empresa de pesquisa de mercado STR. Assim, os hotéis de todo o país embarcaram em uma transformação das formas mais básicas de administrar o negócio, com o objetivo de mostrar aos viajantes que entendem seu medo.
Algumas novas pesquisas sugerem que os viajantes podem ter razão. Um estudo agendado para publicação em setembro na revista “Emerging Infectious Diseases” – mas já divulgado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) em seu site – mostrou que as pessoas infectadas passam o coronavírus para fronhas, edredons, lençóis, interruptores de luz, maçanetas e torneiras.
A Wyndham Hotels & Resorts, em sua nova campanha de marketing de pandemia, “Conte conosco”, anuncia o uso de produtos de limpeza “de nível hospitalar”. A empresa está fazendo demonstrações evidentes de saneamento: as arrumadeiras agora estão sempre à vista limpando o saguão, as áreas públicas, os carrinhos de bagagem, as maçanetas e o balcão.
“No passado, limpávamos os hotéis durante a noite, porque não queríamos necessariamente ver pessoas limpando”, comentou Lisa Checchio, diretora de marketing da Wyndham, detentora das franquias Wyndham, Days Inn, Super 8, La Quinta e mais de uma dúzia de outras grandes marcas entre seus seis mil hotéis domésticos.
O novo programa do Hilton (frase de marketing: “CleanStay”, ou estada limpa) inclui uma parceria com os fabricantes da Lysol, que exige que cada hotel use os produtos da empresa e exiba o logotipo da Lysol “com destaque”. A limpeza dos quartos inclui o tempo extra gasto em “áreas de alto contato”, como interruptores de luz e de ar-condicionado, alças e botões, telefones e relógios. E, claro, o controle remoto, que tem um dos fatores de “nojo” mais elevados, segundo Phil Cordell, chefe global de desenvolvimento de novas marcas do Hilton.
Ele mencionou que um hóspede chegou até mesmo a embrulhar o controle remoto no plástico do balde de gelo antes de usá-lo. “As pessoas estão compreensivelmente assustadas ou hiperconscientes”, disse Cordell.
A nova pesquisa analisou o resíduo do vírus deixado por duas pessoas “pré-sintomáticas” que estavam em quarentena na China em março – estudantes que haviam retornado do exterior e foram colocados em hotéis durante um período de espera obrigatório.
Os quartos foram examinados para obter evidências de que o vírus permanecia lá depois de 24 horas da hospedagem, mas antes que a limpeza fosse feita. Os pesquisadores afirmaram que o estudo mostra que os quartos de hotel devem ser rigorosamente limpos entre a estada dos hóspedes, dando atenção à forma como o vírus se espalha.
“Para minimizar a possibilidade de dispersão do vírus pelo ar, recomendamos que os lençóis usados não sejam sacudidos depois da remoção e que os itens lavados sejam cuidadosamente limpos e secos para evitar a propagação”, declarou o estudo.
Para mostrar que são rigorosas em sua limpeza, várias cadeias anunciam a consultoria que estão recebendo de grandes instituições médicas. O Four Seasons divulgou que assinou um acordo com a Johns Hopkins Medical International como parte de um esforço “para informar as decisões de saúde e segurança com base nos mais recentes conhecimentos científicos”, enquanto o Hilton contratou um advogado da Clínica Mayo para desenvolver “padrões aprimorados de limpeza”.
Toda a atenção ao saneamento criou outras questões. Como os funcionários que usam máscara não conseguem mostrar o sorriso, o Hilton, que tem hotéis em todo o mundo, vem adotando gestos para expressar simpatia e boas-vindas. “Um deles é um aceno simples. Em algumas culturas, pode ser se curvar ligeiramente. Pode ser o gesto de tirar o chapéu, mas sem chapéu – o que talvez pareça meio estranho –, ou uma mão sobre o coração”, disse Cordell.
O Choice Hotels, um conglomerado que possui marcas como Quality Inn e EconoLodge, descobriu em pesquisas que os viajantes queriam o café da manhã pré-embalado, e não bufê, e que qualquer fruta deveria ser do tipo descascável – banana ou laranja em vez de, digamos, maçã ou morango. Também descobriu que os hóspedes queriam espaço ao ar livre e, por isso, atualizou os sites de sua marca de luxo, a Cambria, para destacar fotos de piscinas e decks na cobertura.
Dada a terrível crise econômica do setor, algumas das mudanças que ele está adotando custam pouco ou até economizam dinheiro, comentou Bjorn Hanson, ex-reitor de hospitalidade da Universidade de Nova York, que também passou anos trabalhando na indústria. Ele exemplificou que os hotéis podem economizar dinheiro se deixarem de limpar os quartos toda noite, ou se prometerem não colocar os hóspedes em quartos adjacentes, como alguns hotéis têm feito. “A segurança não necessariamente custa dinheiro. Pode ser uma desculpa para economizar.”
Alguns viajantes dizem que não estão prontos para voltar, independentemente das garantias oferecidas.
“Já fiquei em hotéis legais no passado e encontrei coisas pegajosas. Se eu encontrasse algo pegajoso e sujo agora, isso me deixaria transtornado”, declarou Kevin Mercuri, executivo-chefe de uma empresa de relações públicas de Nova York. Ele e alguns colegas decidiram recentemente não visitar um cliente na Geórgia, em parte para evitar a hospedagem em um hotel. Sua preocupação, em poucas palavras: “Medo de infecção.”
O CDC recomendou que as pessoas que se hospedam em hotéis façam o check-in on-line e escolham unidades em que os funcionários usem máscara e nas quais os objetos e os locais muito tocados – como canetas, telefones, maçanetas e máquinas de venda automática, entre outros – sejam regularmente limpos.
Charles Gerba, professor da Universidade do Arizona que estuda limpeza de hotéis, afirmou que os estabelecimentos não representam risco significativo de transmissão de Covid-19, desde que a limpeza seja feita com produtos que matem o vírus.
Sua própria pesquisa anterior mostrou que as camareiras podem carregar os vírus de quarto em quarto e os hóspedes podem trazê-los de áreas públicas, como salas de conferência. A pesquisa mostrou que o uso adequado de produtos de limpeza reduziu drasticamente o risco de transmissão.
“Se um produto é aprovado e você não o usa direito, ele não será eficaz”, observou ele, o que significa que a limpeza deve ser minuciosa e levada a sério. Ele acredita que se sentiria confortável hospedado em um hotel, mas recusaria o serviço diário das arrumadeiras e levaria seu próprio desinfetante de mão e lenços umedecidos.
Outros pesquisadores de saúde pública disseram que o risco da estada em um hotel dependia fortemente do próprio compromisso do cliente em usar máscara ou permanecer socialmente distante.
“Você precisa tomar uma decisão informada para manter seu espaço”, comentou Eyal Oren, professor associado da Divisão de Epidemiologia e Bioinformática da Escola de Saúde Pública da Universidade Estadual de San Diego. Ele disse que os hotéis oferecem a perspectiva de distanciamento, “coisa que não é possível em um avião”.
Para quem optar por viajar e se hospedar em um hotel, há uma vantagem: o preço. A STR, empresa de pesquisa de mercado, projeta que o custo médio de uma diária em 2020 será de cerca de US$ 103, abaixo dos US$ 131 de um ano atrás. (Em julho, o preço médio foi de US$ 97.)
Há outras economias também. Phillips sempre deixa uma gorjeta para a equipe de limpeza, e o fez novamente durante sua recente estada no Country Inn & Suites, em Toledo. “No primeiro dia, deixei US$ 20 para a camareira, como sempre faço. O dinheiro ainda estava lá quando voltei. Ninguém tinha entrado.”
Fonte: Exame 10.10.2020
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