O objetivo é reunir representantes da sociedade civil, da cadeia produtiva e do setor agropecuário para alcançar consensos e avançar na regulamentação dessa área.
O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) instituiu um grupo técnico de trabalho (GTT) no final de maio para desenvolver propostas e avançar na regulamentação de novos sistemas alimentares e ingredientes contemporâneos, incluindo as proteínas alternativas. Esta iniciativa pode fortalecer esses alimentos como parte da agenda de inovação do setor agropecuário, durante sua transição para uma economia de baixo carbono.
De acordo com o Mapa, a proposta será debatida dentro da câmara temática de transformação digital do agro e está alinhada com o desenvolvimento de um novo marco regulatório, atualmente em elaboração pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo próprio Ministério.
O GTT busca facilitar a harmonização entre diferentes órgãos reguladores e os participantes do setor, incorporando o tema das proteínas alternativas à agenda mais ampla do agronegócio.
Segundo Paulo Silveira, coordenador do GTT e fundador do Food Tech Hub Latam, “Nosso principal objetivo é explorar o potencial do Brasil, com sua biodiversidade única, e transformá-lo em novos mercados. Ao enfrentarmos os desafios futuros da cadeia alimentar, isso se reflete em novos ingredientes e proteínas alternativas.”
As proteínas alternativas incluem aquelas derivadas de plantas, cultivadas a partir de células ou através de fermentação tradicional, biomassa ou precisão – uma técnica que utiliza microrganismos para produzir ingredientes específicos que replicam produtos de origem animal como carne, leite, laticínios, ovos e peixes.
“A área de proteínas alternativas faz parte do setor agropecuário inovador e representa uma nova fonte de receita para os produtores rurais, consolidando o papel de liderança global que o Brasil já possui nesse campo”, afirma Alysson Soares, especialista sênior do GFI.
O grupo técnico de trabalho tem como objetivo formular uma proposta de política pública relacionada aos novos sistemas alimentares e ingredientes contemporâneos. Essa proposta será posteriormente avaliada pelo Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, com previsão de conclusão até o final de outubro.
“O Brasil possui uma oportunidade única para se destacar nesse campo. Não podemos perder novamente o ponto de uma grande transformação e ficar de fora dela. Sem um plano, nossa participação seria desorganizada”, destaca Silveira, coordenador do grupo.
O plano foi inicialmente revelado por Isabel Regina Carneiro, coordenadora de ambientes de inovação do Ministério da Agricultura, durante o evento “De Dubai a Belém: sistemas alimentares e ingredientes contemporâneos”, organizado pelo The Good Food Institute (GFI) Brasil e pela Universidade de Brasília (UnB) no início de abril.
“Esperamos contar com representantes de todos os segmentos da cadeia produtiva, incluindo agroindústria, desde pequenos até grandes produtores, além de universidades, institutos de ciência e tecnologia, e também agentes de fomento como investidores e aceleradoras”, afirmou Carneiro.
Além da coordenadora, o encontro contou com a participação de membros do governo para apresentar propostas e debater o mercado de proteínas alternativas, enfatizando sua contribuição para a agenda verde da agricultura e os esforços para revisar os compromissos brasileiros a serem apresentados na COP30 em 2025.
A segurança regulatória para as proteínas alternativas é fundamental para impulsionar esse setor, tanto pelo seu potencial ambiental quanto econômico. Um ponto frequentemente destacado é a necessidade de regulamentações claras que ofereçam segurança jurídica ao mercado. Com regras bem definidas, torna-se mais fácil investir e desenvolver o mercado, oferecendo alternativas aos consumidores que buscam proteínas alternativas às de origem animal. Além disso, a definição clara das normas a serem seguidas pelas empresas do setor, especialmente em relação à composição nutricional e rotulagem dos produtos, contribui para melhor informar o consumidor.
Segundo Hugo Caruso, diretor da Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal do Mapa, há um esforço para conciliar os interesses do setor de proteína animal com os das proteínas alternativas, pois eles não precisam ser vistos como opostos, mas sim coexistir em harmonia.
Um exemplo é a questão da nomenclatura dos produtos. Caruso explica que, se um hambúrguer de soja fosse chamado simplesmente de “disco de soja”, a regulamentação seria mais simples, porém poderia gerar confusão entre os consumidores. Por isso, as embalagens indicam que se trata de um “hambúrguer” de soja, mas deixam claro que não substitui o hambúrguer de carne – uma abordagem intermediária para agradar a ambos os lados.
“No evento organizado pelo GFI em abril, Hugo Caruso destacou: ‘Se eu não utilizo o nome hambúrguer, eu tiro esse produto do mercado e as pessoas não sabem se aquilo é para ser utilizado como hambúrguer. Dentro dessa percepção, é que nossa proposta vem como uma tentativa de conciliar, uma coexistência desses produtos’.”
Além disso, em dezembro, a Anvisa aprovou uma resolução para disciplinar o processo de comprovação de segurança e autorização de novos alimentos e ingredientes. Esse marco regulatório estabelece diretrizes fundamentais para orientar a produção de proteínas alternativas, como a carne cultivada, proporcionando mais segurança jurídica à indústria. As proteínas à base de plantas já possuíam regulamentações anteriores.
Sustentabilidade em evolução
Para sustentar o progresso e demonstrar empiricamente o potencial da indústria de ingredientes contemporâneos, o GFI Brasil e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável elaboraram o estudo intitulado “Proteínas Alternativas, Indicadores do Agronegócio e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS)”.
Segundo a pesquisa, há uma interligação entre o modelo de ingredientes contemporâneos, como as proteínas de origem animal, e os indicadores de desenvolvimento sustentável, como a redução do desperdício e a promoção de uma alimentação saudável. O desenvolvimento desse setor é crucial para que o Brasil avance no cumprimento dessas metas de sustentabilidade.
Um dos motivos destacados é a pressão enfrentada pela indústria alimentícia tradicional. O estudo menciona que a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) projeta um aumento da população mundial para 9,7 bilhões de pessoas até 2050, com uma demanda por alimentos que pode crescer mais de 70%.
Essa transição exigirá alternativas viáveis para atender ao aumento do consumo, ao mesmo tempo em que se deve aderir aos objetivos de desenvolvimento sustentável no país.
Segundo Luís Rangel, coordenador de Fomento, Promoção e Articulação Institucional do Ministério da Agricultura e um dos autores do estudo, “O sinergismo entre as proteínas alternativas e os ODS é mais significativo do que inicialmente previsto. Há diversos indicadores que indicam que a indústria de proteínas alternativas apresenta um desempenho muito positivo em comparação com outros setores da indústria de alimentos em geral.”
Rangel destaca que a indústria de ingredientes alternativos contribui para a redução das emissões de gases poluentes das cadeias alimentares, especialmente o metano, que é emitido pela fermentação entérica na pecuária tradicional. Além disso, esse modelo permite a reutilização de subprodutos.
Diante da projeção da FAO sobre o aumento populacional futuro, Rangel sugere que haverá uma crescente demanda por alternativas, o que poderá impulsionar o crescimento da indústria de ingredientes alternativos além dos nichos atuais.
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